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Publicado em: 28/03/2022
Colaborar mais é possível, nossa genética mostra
por Daniel Albuquerque*
O ano era 2007: li um livro que me soou, à época, uma verdadeira obra de ficção distópica. Esse livro – Uma Breve História do Futuro, escrito por Michel Attali, assessor de Nicolas Sarkozy – dizia que estávamos iniciando três grandes ondas de transformações globais que alterariam muito o mundo em que vivemos.
Primeiro viria a onda do Hiperimpério, na qual nos tornaríamos todos cidadãos de uma mesma bandeira. Seria essa bandeira a internet? A globalização? As redes sociais? A Amazon? A Netflix?
A segunda onda seria a do HiperConflito, que colocaria em risco a humanidade, com armas nunca antes usadas, guerra cibernética, química, biológica e, possivelmente, nuclear.
A terceira onda seria a Hiperdemocracia: passado o conflito, os humanos derrubariam barreiras e buscariam o bem comum novamente, com menos preconceitos e “vacinados” pelo desastre causado pela guerra. Teriam, então, um bom tempo de bonança e paz.
Uma pandemia depois e sob o risco de uma guerra mundial nuclear, digo que estava errado. O que o que me pareceu uma ficção se mostra, a cada dia, a realidade.
O Hiperconflito está aí e, mesmo que não sejamos anunciadores do apocalipse, este não estará longe se a escalada militar continuar. Até hoje, armas atômicas não foram usadas, mas seu uso já está sendo claramente considerado.
Então, acho um bom momento para falar de conhecimento perigoso, de colaboração x competição e de bonobos x chimpanzés – enfim: de genes e de como nossa hereditariedade pode contribuir para nosso belicismo ou para o contrário dele.
Conhecimento perigoso é aquele tipo de compreensão de ponta da ciência, que pode levar a grandes avanços tecnológicos e melhorar a vida das pessoas, mas também pode dizimar a humanidade e o planeta.
Exemplos de conhecimento perigoso são a energia nuclear e a engenharia de manipulação genética, na clonagem ou em uma técnica conhecida como CRISPR, que consegue editar genes defeituosos, consertando-os, com grande potencial para cura de doenças graves e de impacto na saúde individual e coletiva. Mas esse tipo de manipulação é sempre benéfica? E ética? Essa é a discussão de todo conhecimento perigoso.
Falando ainda em genes, no livro Humanidade: Uma História Otimista do Homem, Rutger Bregman diz que, ao contrário dos estudos de Darwin que colocam a competição pela sobrevivência como fator de maior chance de vitória na seleção natural, a colaboração pode ser a chave (aliada a momentos menores de competição) para a escolha de variações genéticas mais propensas a reprodução e sobrevivência em certo ambiente.
O livro vai além e associa colaboração x competição também aos humanos e à filosofia (Hobbes x Rousseau), mostrando que grande parte da mídia e das correntes filosóficas predominantes veem o humano como competidor nato, egoísta e violento, enquanto que inúmeros estudos biológicos e comportamentais modernos e bem controlados, assim como os estudos sociais e filosóficos que os suportam, encontram uma solução oposta, em que o sucesso dos humanos se deve muito mais à colaboração do que à competição. Não que não haja competição e violência, mas elas estão reduzidas a certos cenários, não ao contexto geral.
Seria muito legal se fôssemos colaborativos em vez de competitivos, não seria?

Estudos sociais (e bom senso) apontam que, quando optam pela colaboração e não pela competição, humanos têm mais chance de prosperar
Aliás, além deste livro, tem outra tese de base genética que reforça esse discurso: nós humanos somos um mosaico (mistura genética) de nossos primos símios mais próximos: os chimpanzés, com os quais compartilhamos cerca de 99% do DNA, e os bonobos, com os quais compartilhamos 98,7% do DNA.
Tanto o DNA dos chimpanzés como os dos bonobos foram sequenciados nos últimos 15 anos e demonstraram essa grande similaridade com o nosso. No entanto, fica claro que a função dos genes desses símios para a nossa, dos humanos, se altera bastante, principalmente quando falamos em expressão gênica para o funcionamento cerebral.
Mas o ponto que quero grifar aqui é a diferença clara entre as duas espécies de primos ancestrais.
Os chimpanzés são claramente violentos, competitivos e vivem sob uma ordem patriarcal, chefiada por machos alfa; já os bonobos são claramente mais colaborativos, não agressivos, trocam a boa guerra por um bom sexo grupal e os grupos são chefiados, vejam só, por fêmeas alfas! Será que nosso mosaico está pendendo pro lado errado? Pro lado mais violento?
Enfim, genes são a base de muito do nosso comportamento, mas nem tudo está lá. Se não, gêmeos univitelinos se comportariam de forma igual. E sabemos que o ambiente e o comportamento representam a maior parte do que nos tornamos.
Torçamos pra que a humanidade se lembre da herança genética de nossos primos bonobos e se esqueça um pouco a do outro primo, se tornando mais solidária e evitando que a radiação gama mute de maneira irremediável nossos genes.
Ave bonobo, nosso primo pacífico!
*Daniel Albuquerque é médico cardiologista, executivo em Saúde, músico e curioso pelo entendimento do todo
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