Do showbiz à inovação: Ronaldo Cohin e o Jade Autism

Publicado em: 17/12/2020

Do showbiz à inovação: Ronaldo Cohin e o Jade Autism

Experiência pessoal leva empreendedor a criar aplicativo para ajudar famílias e profissionais de Saúde a desenvolverem capacidades de crianças com autismo

Por Rodrigo Guerra* 

De rock star a empreendedor da Saúde. Ronaldo Cohin é criador do Jade Autism, um aplicativo terapêutico para crianças com autismo que usa jogos para extrair dados sobre os pacientes e ajudar os profissionais de Saúde e instituições que os tratam. Inspirado pelo filho Lucas, o vocalista da banda Rajar, que fez sucesso na década passada, criou o app como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em ciências da computação. E descobriu rapidamente que tinha em mãos um negócio com potencial.

Desde então, trabalha para desenvolver o Jade no mercado nacional e no exterior. Lá fora, inclusive, acaba de conquistar o prêmio de startup mais inovadora do ano de 2020 no GITEX Future Stars, maior feira de negócios e inovação do mundo, que acontece anualmente em Dubai. 

Pouco antes desse reconhecimento tão relevante, tive o prazer de bater um papo com o Ronaldo para esta edição da série “Conversa de Inovação”. Abaixo você lê os melhores momentos:

 Rodrigo Guerra: Você é formado em administração com ênfase em cultura, mas guinou sua carreira para a TI. Por que tomou essa decisão?

Ronaldo Cohin: Eu tinha uma banda de rock. Ainda tenho, na verdade, a Rajar, mas hoje todos os integrantes trabalham em outras atividades e nos reunimos só quando dá. Estivemos até em trilha [sonora] de novela da Globo [Malhação], isso em 2006, 2007. Fiz faculdade naquele momento para me dedicar ao show business. Mas em 2012, 2013, o rock deu uma caída no Brasil. E a primeira faculdade que eu comecei foi ciências da computação, e eu tinha essa frustração de não ter terminado. Quando veio o Jade, muitas das coisas que uso nos negócios aprendi gerenciando música.

Guerra: Que tipo de coisas?

Cohin: A maioria das pessoas de TI tem dificuldade de interagir e se conectar nos negócios. Normalmente são pessoas mais introvertidas, embora não seja regra. Ter essa visão de show business me ajudou a entender melhor para quem posso apresentar o Jade, por exemplo. Essa capacidade de conexão pode trazer coisas muito positivas para a empresa.

 Guerra: E como surgiu a ideia do Jade Autism? Tem a ver com seu filho? [Lucas, de seis anos.]

Cohin: Foi no meu último ano de faculdade. Eu precisava escrever o TCC, e tinha vontade de fazer alguma solução voltada para autismo. E tinha algumas coisas que eu não conseguia entender, como alguns terapeutas chegavam a certas soluções, por exemplo. Eu queria sintetizar algumas dessas informações que eles colhiam sem muita acurácia, muito em cima de observações. Por mais que existam testes, o diagnóstico e tratamento é por observação clínica. Pensei então em criar alguma forma de interação cognitiva da criança em um dispositivo que pudesse colher dados comportamentais, filtrando e transformando em um relatório. Eu não pensava que iria além do TCC, mas alguns meses depois que fiz a apresentação, ganhei um prêmio na Universidade de São Paulo (USP). Foi onde tudo começou do ponto de vista empresarial. No mesmo dia em que recebi o prêmio, postei nas redes sociais comemorando e recebi uma proposta de investimento do dono de uma empresa em que trabalhei como desenvolvedor de software. Ele propôs fazer uma primeira versão com uma equipe mais robusta. Eu entendo da tecnologia, mas como desenvolvedor sou nota 4,5. Colocamos nas mãos de quem era bom nisso, e em julho de 2018 tínhamos uma primeira versão.

 Guerra: E no que a solução consiste? Que problema tenta solucionar?

Cohin: No primeiro momento era um aplicativo com alguns jogos, de 80 a 100 atividades, e resultados de acertos e erros voltados para os pais. Alcançamos amplitude muito rápido, antes do fim do ano já eram 10 mil downloads. Eu levei essa aplicação [para uma fábrica de software], e o que eu fiz antes [no TCC] foi jogado fora. Fizemos uma versão estruturada com olhar de design e experiência do usuário. Foi o primeiro marco, quando comecei a ter uma visão mais de empresa, uma estruturação de produto, embora naquele primeiro momento eu não tivesse clientes, só downloads gratuitos. No início de 2019, criamos a plataforma web, hoje o core business da empresa, e passamos a fazer uma série de leituras comportamentais da criança durante o jogo. Tratamos os dados em nuvem e apresentamos em 13 relatórios de prognóstico e desempenho. Foi aí que fechamos o primeiro contrato, com a Federação das Apaes do Estado do Espírito Santo. Depois começamos a construir uma segunda vertente, lançada em 2020, que é a possibilidade de ter conteúdos para os pais por assinatura. O app se tornou freemium, com parte do conteúdo liberada e parte por assinatura. Hoje são 85 mil usuários, 40% no Brasil e 60% no restante do mundo. Temos usuários em 149 países em inglês, português, espanhol e árabe.

 Guerra: Como foi o processo de investigação científica para chegar ao produto final? Você interagiu com médicos e cientistas?

Cohin: Durante a concepção do Jade, eu tinha conhecimento mínimo de tecnologia, mas, por mais que estudasse, não era um profissional de Saúde. Fui para dentro da Apae de Vitória, e tive o auxílio da Adriana Malini, que é fonoaudióloga, para validar a solução com pacientes reais. Ela não está mais no nosso time. Em 2019, contei com a ajuda de outra profissional, a Beatriz Zeppelini, psicopedagoga e consultora terapêutica que é especializada em ABA [Análise do Comportamento Aplicada], um dos tipos de terapia aplicada para pacientes autistas. E aí entrou um novo sócio, o Marcelo Masruha Rodrigues, neurologista que já foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil. Foi quando evoluímos os relatórios. Agora temos a Joice Andrade, neuropsicóloga e consultora terapêutica especialista em comportamento e análise de dados de crianças autistas.

 Guerra: E como o profissional de Saúde faz para acessar esses dados?

Cohin: Com uma assinatura, os profissionais passam a ter acesso ao nosso portal. Nele, o especialista encontrará uma série de relatórios de prognóstico, nos quais pode analisar os déficits e acompanhar a evolução de seus pacientes. Existe um sistema de segurança para evitar o compartilhamento indevido de informação e assegurar que os relatórios conterão apenas os dados daquele paciente. Cada usuário tem um código de verificação gerado pelo aplicativo do responsável do paciente, ou pela clínica ou profissional responsável pelo tratamento. Com esse código, o profissional cadastra o paciente em seu login, em seguida o responsável da criança precisa aceitar o compartilhamento. A partir deste processo, a cada vez que o paciente fizer as atividades no aplicativo, o profissional receberá os dados coletados. Os gráficos e dados têm diversas funções, por exemplo o gráfico de tempo médio de toque, que coleta a informação de tempo de permanência da criança em uma atividade, o tempo de execução para cada toque, o momento de primeira interação na fase. Com essas informações, é possível determinar tanto a impulsividade e atenção da criança como seu grau de comprometimento em determinada categoria, pré-requisitos para a aprendizagem.

Guerra: Você enfrentou desafios financeiros?

Cohin: Temos dois modelos. O B2B para instituições e terapeutas, e o B2C para as famílias. Esse último tem menos de três meses de lançamento e ainda estamos engatinhando na conquista de clientes. No B2B acabamos de abrir uma filial da empresa em Abu Dhabi [capital dos Emirados Árabes Unidos]. Espero ainda este ano fechar com uma rede grande de clínicas de lá, e estamos indo ao mercado em outros países. Temos uma receptividade maior lá fora no que diz respeito ao uso de tecnologia no tratamento desses pacientes. Aqui ainda encontramos resistência de profissionais, que teriam que mudar um pouco o modus operandi e trabalhar com dados. Hoje no Brasil atendemos 58 clínicas e instituições, e 14 profissionais autônomos. Mesmo assim ficamos no “0 a 0” mensal. Precisamos de investimentos para dar grandes saltos, e esse é nosso desafio atual. Já tivemos três rodadas de investimento para garantir o operacional e pretendemos buscar uma nova rodada para iniciar a tração.

Guerra: Alguma evolução já desenhada para o Jade?

Cohin: Temos novas features e três produtos. Temos uma versão do Jade para auxiliar no tratamento de doenças relacionadas ao envelhecimento. E uma versão documentada para [o tratamento de] dislexia. E tem um teste no Jade usando eye tracking [rastreamento de olhar], que tem como função auxiliar na detecção precoce de suspeitas do espectro autista em crianças. Estamos buscando formas de fazer o desenvolvimento dessas novas features que necessitam de investimento e tempo para serem desenvolvidas.

Guerra: Você não é da Saúde, mas foi capaz de inovar e trazer benefícios para o setor. Sob seu ponto de vista, qual o caminho para que as organizações de Saúde inovem mais?

Cohin: Ter uma visão de fora do setor pode ajudar a encontrar uma solução que, possivelmente, não foi vista por quem está dentro de uma organização de Saúde. No meu caso foi a vivência como usuário final, por ser pai de uma criança com autismo. Para as organizações de Saúde inovarem, assim como em qualquer outro setor, elas precisam escutar o seu cliente e entender o que ele precisa. A inovação, muitas vezes, não é a criação de algo disruptivo, e sim solucionar um problema de forma efetiva. No caso do Jade, por não ser da Saúde, eu tive uma ideia e precisei demandar, o que é uma das características de um CEO. Desde o primeiro momento, busquei atrair para perto pessoas que tinham o know-how necessário para resolver as questões médicas e científicas. E foi assim que conseguimos construir um excelente produto.

* Rodrigo Guerra é especialista em finanças e inovação em Saúde. Atua como superintendente executivo da Central Nacional Unimed, organização responsável por administrar todos os contratos de abrangência nacional do Sistema Unimed.

Esta entrevista foi produzida com o apoio do jornalista Marcelo Vieira

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