Ken Fujioka: “Diversidade nos negócios exige envolvimento individual”

Publicado em: 19/08/2021

Ken Fujioka: “Diversidade nos negócios exige envolvimento individual”

Machismo estrutural e falta de pontos de vista diferentes comprometem a inovação. Por isso, lutar por igualdade não é apenas uma questão de justiça social, mas faz muito bem aos negócios

Por Rodrigo Guerra*

Ken Fujioka é cofundador da Ada Strategy e atua voluntariamente como coordenador no MEMOH, um negócio social formado por homens que, incomodados com o machismo, buscam apoio mútuo para a desconstrução desse padrão comportamental: “Na prática, quanto mais um homem participa do MEMOH, mais ele se percebe machista. Por isso, construímos essa rede de autopoliciamento  que não passa pano para atitudes machistas.”

Durante nossa Conversa de Inovação, Ken me contou que, embora as empresas criem comitês de diversidade para debater desigualdades de gênero e outras mais, ele acredita que se as pessoas que tomam as decisões não se engajarem nas mudanças, nada acontece. “Mesmo com uma nova definição na política interna das empresas, as pessoas precisam se envolver individualmente na causa para que a equidade de gênero e de raça, de fato, aconteça”, defende. 

No nosso bate-papo falamos também sobre assédio moral e sexual, como a falta de equidade de gênero e o machismo estrutural podem bloquear a inovação e o que fazer para desconstruir esses conceitos e criar um ambiente favorável à diversidade e às boas ideias. 

Leia agora os melhores momentos: 

Rodrigo Guerra: Ken, por muitos anos você foi executivo em agências de publicidade, mas faz três anos que fundou a ADA Strategy, ao lado da Cris Famano, com a proposta de resolver problemas complexos nos negócios. Quero começar esse papo perguntando se questão de gênero é um desses problemas complexos a serem resolvidos?

Ken Fujika: [risos] Eu acho que não, porque a questão de gênero é um problema bem simples de ser combatido quando se tem disposição e boa vontade para enxergar o problema em si. Na minha área de atuação, por exemplo, que é a das agências de publicidade, mais de 95% dos cargos de alta liderança, como CEO ou CCO [Chief Creative Officer], são ocupados por homens brancos e esse é o problema. Para combatê-lo, as empresas devem adotar uma política de ações afirmativas para que, a partir de uma decisão política da empresa, a participação de mulheres presentes no quadro decisório aumente e para que as futuras decisões tomadas levem em conta esse outro ponto de vista. 

Só que existem duas grandes lutas simultâneas acontecendo: uma é a inclusão de mais mulheres e a outra é a maior representatividade de pessoas negras. As empresas sempre vão usar o subterfúgio de que faltam mulheres e pretos preparados para ocupar cargos de liderança, mas a verdade é que esses grupos minorizados são muito mais exigidos para desenvolver o trabalho que um homem branco. Tanto que eles mesmo sabem que precisam ser quase infalíveis para que sejam considerados prontos a ocupar esse espaço, quando sabemos que muitos homens estão nessas posições despreparados. A verdade é que somos mais permissivos com homens brancos e muito mais críticos com mulheres e pessoas pretas. Portanto, embora o problema seja simples, toda e qualquer mudança nesse cenário precisa ser feita de forma forçada porque espontaneamente nada vai acontecer. 

Rodrigo: Tem um aspecto sobre esse cenário, que eu reflito bastante, que é o da preservação de privilégios, pois quem toma a decisão de mudar ou não mudar tudo isso é justamente um homem branco que ocupa hoje o topo do processo decisório das empresas. Talvez seja por isso que essa mudança é tão lenta. Porque se a prática seguisse o discurso atual de mais diversidade e equidade de gênero, tudo já estaria diferente. Quero saber o que você acha sobre isso.

Ken: Eu acho que você tem toda razão, pois a inércia é a perpetuação do que já existe, do status quo. Eu digo que até mentalmente é mais confortável ficar tudo como está, porque nosso cérebro evita o conflito. E mudanças são exatamente isso, conflitos.  

Rodrigo: Uma forma de acelerar esse processo são as cobranças que vêm de fora, ou seja, com a sociedade passando a julgar as empresas pelas políticas efetivas que elas promovem nas questões de gênero, por exemplo. Imagine as pessoas fazendo escolhas por consumir esse ou aquele produto de uma empresa cujos valores são mais próximos aos seus. Principalmente as mulheres poderiam se engajar nisso…

Ken:  Sim, essa pressão de fora para dentro é fundamental. Quando converso com amigos negros e negras eles falam que pouco importa se o motivo é medo, coação ou modismo, o fundamental é que esses espaços sejam ocupados também por mulheres e negros, eles precisam estar dentro do sistema para poder atuar.

Rodrigo: E você criou a iniciativa MEMOH justamente para tentar mudar esse cenário de fora para dentro das empresas?

Ken:  A ideia partiu de um homem branco, o Pedro de Figueiredo. MEMOH é a palavra “homem” escrito ao contrário e juridicamente ele é um negócio social, ou seja, seu lucro é revertido para a causa. O MEMOH tem duas frentes de atuação: a primeira é incutir nas empresas contratantes a equidade de gênero a partir de uma metodologia criada para envolver os funcionários nessa discussão. E há também um braço voluntário, do qual eu faço parte, que organiza rodas de conversa de masculinidade. O grupo é formado apenas por homens, mas forçamos para que ele tenha diversidade de etnia, etária e de sexualidade para que dali saía uma boa conversa. A crença é que se a discussão dá espaço para pontos de vista diferentes dos seus, você vai crescer como homem e passará a questionar suas próprias verdades. Na prática, quanto mais um homem participa do MEMOH, mais ele se percebe machista, por isso construímos essa rede de autopoliciamento que não passa pano para atitudes machistas. O MEMOH surgiu porque um homem sozinho não consegue fazer todo esse movimento, pois suas ações muitas vezes extrapolam sua consciência. 

Rodrigo: Você acredita que situações como assédio moral e sexual, falta de equidade de gênero e machismo estrutural podem bloquear a inovação nas empresas? 

Ken: Eu não acho que seja uma ligação direta, mas quanto menos assédio existe, mais acolhedor é o ambiente para o diferente. Se uma pessoa diferente – seja por gênero, etnia ou orientação sexual – não se sente confortável dentro de uma empresa, ou se ela sofre bullying, racismo ou homofobia, ela simplesmente não fica naquele lugar. E se ela vai embora, a empresa não consegue atingir a diversidade que gostaria. Daí sim a ligação fica direta, pois sem diversidade a inovação fica comprometida ou, como diz o relatório da McKinsey: “ quanto mais diverso é o grupo, mais resultado se atinge com o trabalho.” Uma empresa mais acolhedora, portanto, consegue ter um quadro de funcionários mais diverso e estável e, assim, aumenta seu poder de inovação e de atingir melhores resultados financeiros.

Rodrigo: Você é favorável à adoção de cotas para que as empresas sejam mais diversas?

Ken: Nos Estados Unidos, onde há menos desigualdade do que aqui, eles trabalharam com cotas e ações afirmativas para que as empresas fossem mais diversas. No Brasil, a desigualdade é tão gigantesca que eu acho que a necessidade da adoção de cotas deveria ser inquestionável. Mas entendo que isso seria temporário até que se atinja o objetivo da igualdade, depois podemos abolir esse tipo de iniciativa. 

Rodrigo: Tem uma perspectiva de negócios que eu quero destacar. O board das empresas hoje quer vender para todo mundo, homens e mulheres, brancos e pretos, pobres e ricos, etc. Só que as decisões estratégicas são tomadas por um conselho onde todos são homens, brancos, velhos e ricos. Eu penso como essas empresas vão se comunicar com seus clientes e saber o que eles querem?

Ken: Pois é, é incongruente. Vou contar uma breve história da publicidade brasileira. Até os anos 1980, a publicidade nacional só falava com um público branco e com dinheiro, que, claro, era muito pequeno. Então, fazia sentido ter nas agências pessoas desse mesmo grupo para que a comunicação fosse eficaz. Mas, com o passar do tempo, a sociedade mudou, pessoas negras ascenderam economicamente, mas sem que a publicidade mudasse. Então, essas pessoas começaram a consumir produtos feitos por negros e para negros apenas, especialmente nas periferias, na busca por uma comunicação entre iguais. É preciso repensar isso, como você bem disse. 

*Rodrigo Guerra é especialista em finanças e inovação. Atualmente vivencia um profundo mergulho na jornada do autoconhecimento – que deve trazer novidades em breve

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