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Regulação da IA na Saúde: que bicho é esse?
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Regulação da IA: será que estamos buscando o verdadeiro equilíbrio entre a lei e a inovação?
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Publicado em: 30/07/2020
Tecnologia só transforma quem está disposto a abandonar o comodismo
Inteligência artificial, machine learning e outras ferramentas do tipo oferecem inúmeras possibilidades à gestão de Saúde, mas mudança de mentalidade é fundamental para que elas entreguem o que prometem
Por Rodrigo Guerra*
Quando falamos sobre inovação na Saúde, muitos logo pensam em equipamentos ultratecnológicos, ou em novos tipos de tratamentos para doenças. Mas o ato de inovar não pode ficar restrito aos procedimentos médicos. Pelo contrário: ele deve, também, transformar a gestão. Fala-se muito da aplicação da inteligência artificial como apoio ao diagnóstico, por exemplo, mas há poucas discussões sobre como ela pode ser utilizada para equalizar custos, melhorar a qualidade dos serviços e ampliar a eficiência da organização como um todo.
Esse ganho para a gestão começa ainda no primeiro contato do indivíduo com a organização. O mercado oferece muitas soluções de IA que permitem otimizar o processo de triagem, levantando indicadores que vão da temperatura corporal até a saturação de oxigênio, com margens de erro baixíssimas. Adotando um mecanismo do tipo, o “filtro” de pacientes ganha não apenas em velocidade, mas em qualidade, orientando melhor a escolha de prioridades e seu encaminhamento adequado.
A eficiência aumenta quando, junto a essa solução, aplica-se um sistema que permite predizer o comportamento do paciente, o que é possível com um modelo de negócios baseados em dados. Esse tipo de infraestrutura, com inteligência artificial e machine learning, é capaz de compilar e analisar uma série de dados individuais ou coletivos, ajudando a dimensionar a demanda e diminuindo filas.
Em um cenário como esse, a instituição de Saúde consegue identificar quais especialidades são mais demandadas em determinados períodos do ano, bem como as doenças mais incidentes. Também pode trabalhar com predição sobre o comportamento do paciente, baseado na frequência com a qual ele procura atendimentos de emergência ou consultas médicas. Em posse desse conhecimento, consegue planejar sua capacidade de acordo com a flutuação da demanda.
Esses são exemplos pontuais, mas o potencial de inovação na gestão é muito maior. O que atravanca essa transformação são os problemas de sempre: desconhecimento do potencial tecnológico, conservadorismo dos gestores e pouca disposição para confrontar as estruturas vigentes. Porém, precisamos focar nas oportunidades que criamos quando deixamos essa resistência de lado.
Recentemente experimentamos uma quebra de paradigma com o aumento das teleconsultas. Algumas organizações de Saúde estavam melhor preparadas para oferecer essa demanda, outras montaram a estrutura no improviso, mas o fato é que hoje todas as operadoras oferecem, ou estão em vias de oferecer, essa modalidade de atendimento. O que era um tabu antes da pandemia da Covid-19, hoje é algo indispensável e que traz bons resultados. Precisávamos mesmo ter atravessado uma pandemia para nos darmos conta disso?
A verdade incômoda é que a jornada do paciente não foi desenhada para oferecer o que é melhor para ele, e sim o que é mais confortável para as operadoras. Nessa premissa, há dois problemas evidentes: o primeiro é que um serviço que aliena seu cliente não pode ser considerado bem-sucedido; e o segundo é que “confortável” está longe de significar “produtivo” ou mesmo “bom”.
A pertinência é um valor binário – ou seja, não aceita meio-termo. Se você fez algo que não é pertinente, certamente desperdiçou recursos. Infelizmente, vemos na Saúde suplementar muitas práticas que não são pertinentes, que elevam custos e submetem o paciente a procedimentos médicos ineficazes – o que o leva ao extremo da insatisfação.
Como abordei no bate-papo com Arthur Igreja (que você pode ler aqui: A pandemia vai ser um catalisador brutal de inovação no atendimento médico”, diz Arthur Igreja), inovação não depende exclusivamente da tecnologia, e sim da mudança de mentalidades. E será sempre melhor se essa mudança ocorrer de forma planejada, e não como resposta a uma crise.
Temos que incorporar essa inteligência em nossa gestão, o que implica, também, em trazer a TI para um papel mais estratégico e menos operacional na Saúde. Também será crucial considerar a presença de um cientista de dados, pois de nada adianta coletar informações se não soubermos organizá-las e analisá-las de modo pertinente.
Peculiaridades à parte, essas reflexões não podem mais esperar. Os custos e os desafios da saúde só tendem a aumentar, e quem não encontrar novos caminhos vai ficar pelo caminho.
*Rodrigo Guerra é especialista em finanças e inovação em Saúde. Atua como superintendente executivo da Central Nacional Unimed, organização responsável por administrar todos os contratos de abrangência nacional do Sistema Unimed.
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