As técnicas que impulsionaram a inovação no Instituto Butantan

Publicado em: 07/08/2023

As técnicas que impulsionaram a inovação no Instituto Butantan

Ex-pesquisador, Cristiano Gonçalves uniu conhecimento em biotecnologia e em gestão para acelerar projetos no instituto

Adriele Marchesini*

 

Após defender a tese que lhe garantiu o título de doutor em biologia molecular ainda em 2014, Cristiano Gonçalves prometeu a si mesmo nunca mais encostar em uma pipeta. Os dias no laboratório haviam acabado – e a ciência, a sociedade e até mesmo você, sem saber, seriam consideravelmente beneficiados por essa decisão apenas poucos anos mais tarde. 

A carreira acadêmica de Cristiano seguiu para o pós-doutorado em gestão da inovação na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). A partir de lá, ele enveredou-se pelo promissor universo da biotecnologia, rastreando tecnologias, boas ideias e investimentos para apoiar o desenvolvimento do ecossistema de startups. 

Foi com essa bagagem que chegou ao Instituto Butantan em 2019. E foi exatamente essa bagagem que o habilitou, junto à área de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios, a estar presente desde o início das negociações com a biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech. Tais conversas, como você bem sabe, culminaram no desenvolvimento da Coronavac, protagonista do plano nacional de imunizações e uma das responsáveis por colocar um freio na pior crise sanitária do último século.

A virada de chave

A virada de chave que tirou o jovem pesquisador da academia e o colocou no centro do cenário de inovação científica veio quando, ainda no doutorado, passou um ano e meio participando de uma pesquisa sobre tratamento de melanoma na Universidade do Texas. A comparação foi inevitável: enquanto nos Estados Unidos os investimentos vinham de múltiplas fontes – pública, privadas, ex-alunos – no Brasil os recursos nasciam exclusivamente dos cofres públicos. Não era incomum ver o time de pesquisa estadunidense tendo apenas três dias para alocar uma verba milionária ou ouvir pelos bastidores o nome de patrocinadoras que não teriam uma ligação óbvia com esse tipo de iniciativa, como a Cisco, fabricante global de tecnologia da informação e comunicação.

Enquanto nos EUA as pesquisas eram orientadas à resolução de problemas, no Brasil, conta Cristiano, o retorno é medido em número de artigos publicados – não à toa, nosso País figura entre as principais geradoras de conhecimento mundial, estando na 13a. posição do ranking global de produção científica segundo a Web of Science. Mas há um vale que separa os universos acadêmico e empreendedor.  “Cheguei lá como um jovem doutorando sonhador, que queria descobrir a cura do câncer o mais rápido possível. Mas essa experiência me trouxe exatamente o contrário: a estrutura de P&D é tão desfragmentada que, no Brasil, não conseguiria chegar perto desse objetivo”, contou ao Unbox Project

Se as coisas estavam fragmentadas, era hora de juntar. Afinal, a cura não pode esperar. 

Por um torque mais forte

Ao final de 2020, Cristiano assumiu o escritório de inovação e licenciamento de tecnologia do Butantan e o reformulou completamente, tomando como referência não Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs), mas laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de empresas globais. O programa de inovação é pautado na prospecção de tecnologias para licenciamento e desenvolvimento de pesquisas clínicas no Brasil para produtos inovadores; licenciamento de produtos nacionais para o empresas interessadas, e estímulo à propriedade intelectual, ofertando aos pesquisadores direito na distribuição de royalties no caso de produtos desenvolvidos pelo Butantan e que cheguem ao mercado.

“Tenho conhecimento de biotecnologia e associei a gestão, que são duas coisas que nem sempre estão conectadas. E fico muito feliz que isso tenha resultado em oportunidades.”

Comedido, o pesquisador-gestor alega que essa mecânica não alterou o propósito do instituto, que é o de aplicar a ciência na criação de imunizantes. Mas, se a roda não foi inventada, ela certamente recebeu um incentivo que a fez torquear com maior velocidade e rendeu à entidade títulos como o Prêmio Nacional de Inovação, concedido pela Confederação Nacional das Indústrias em 2022. 

Como o Instituto Butantan é uma associação e, portanto, não possui fins lucrativos, encontra nas demandas menos interessantes comercialmente para grandes empresas privadas seu nicho de mercado: a produção de vacinas contra a dengue e  chikungunya estão entre elas. As pesquisas levam tempo, assim como os frutos. Afora o esforço global para imunização contra a Covid-19, os prazos para lançamento das fórmulas variam de três a cinco anos. 

Um adendo (e um desconto)

Neste ponto da história peço licença para um adendo. Cristiano vai contar mais detalhes sobre o departamento de inovação do Butantan – e falar sobre os desafios de inovar em deep tech, ambiente de tecnologia profundo e altamente regulado – durante o Inovatech, evento que será realizado em São Paulo entre 30 e 31 de agosto.

Inclusive, leitores do Unbox Project/Homework têm 30% de desconto no valor dos ingressos – bastando utilizar o código UNBOX30 no carrinho de compras. Também no segundo dia do evento, 31/08, eu estarei no palco para homenagear os executivos e executivas mais inovadores do Brasil. Caso queira indicar algum profissional, basta enviar um email para unboxproject@agenciaessense.com.br. A banca da 7Th Experience, empresa organizadora do evento, avaliará suas indicações.

De volta à rota

Cristiano acredita piamente que os modelos de inovação aberta são essenciais para o desenvolvimento da biotecnologia. Mas além dos métodos e metodologias, uma verdadeira inovação se faz com um ingrediente difícil de ser replicado, pois requer mais do que conhecimento acadêmico ou empírico; demanda uma imersão em valores pessoais que potencialmente resultará na emersão de uma nova pessoa, com um novo olhar. Estou falando de empatia. “Quem estabelece uma relação próxima com as pessoas, com o coletivo,  com a sociedade, consegue entender melhor a dor do outro e propor uma solução.”

Já um ensinamento do pensamento científico essencial para a inovação  – este sim, que pode ser transmitido – é a abertura ao erro. Mas não se engane achando que essa é mais uma frase feita e ostensivamente repetida em treinamentos corporativos. “As empresas precisam se abrir mais ao risco – tanto para desenvolvimento próprio quanto em apoio à ciência. Veja, o risco é inerente. Não adianta fugir dele. Ele existe e vai te encontrar.” O erro não deve, portanto, ser encarado com medo, tampouco como derrota. “Quanto mais apostas, maior a chance de sucesso. Mas a quantidade de fracassos também vai ser maior. É isso que o cientista faz.” 

 

*Adriele Marchesini é cofundadora das agências essense e Lightkeeper,  as quais já ajudaram mais de 80 empresas na construção de conteúdo narrativo multiplataforma para negócios, e do Unbox Project, programa de desenvolvimento de lideranças com foco em inovação e economia sustentável. Jornalista especializada em TI, negócios e Saúde, tem quase 20 anos de experiência. É coâncora do podcast Vale do Suplício

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