Layoffs em tecnologia: estouro de uma bolha pode esconder acomodação de mercado

Publicado em: 07/06/2023

Layoffs em tecnologia: estouro de uma bolha pode esconder acomodação de mercado

Em tempos de bonança, investidores podem meter os pés pelas mãos. Seria esse o motivo das demissões em massa ao redor do globo?

Por Renata Armas e Adriele Marchesini, jornalistas do Unbox Project*

“Foi tolo de minha parte investir no Wework. Eu estava errado.” 

Quando o gestor de um fundo de investimento de risco como o japonês Softbank se equivoca, o erro custa caro. Caro na casa dos bilhões de dólares.

Foi isso o que aconteceu com o que ficou conhecido como o fiasco do WeWork. A startup, que chegou a ser avaliada em US$ 47 bilhões, teve seu valor de mercado reduzido para menos de US$ 3 bilhões e o sonho de protagonizar um dos maiores IPOs do mundo engavetado para toda a eternidade. Masayoshi Son, fundador e CEO do fundo de investimento japonês, admitiu ter-se envolvido demais para perceber que a empresa, voltada à locação de escritórios, não passava nem perto de uma empresa de tecnologia, com modelo de negócios escalável e que, portanto, justificaria os aportes bilionários que recebeu.

Essa história está em um passado não tão distante, mas erros parecidos assolam o universo de tecnologia no momento presente. De big techs a startups de diversos cantos do planeta anunciaram, e seguem anunciando, seus layoffs – um substantivo pomposo que quase suaviza a dura realidade das demissões em massa. O que se suspira pelos corredores figurativos e literais do mercado de investimentos é que vivemos o estouro de uma bolha, como já ocorreu coisa de 20 anos atrás com a crise das pontocom. Mas, diferentemente da bolha das empresas de internet, não é um grupo específico de companhias que regurgita colaboradores ao redor do globo. São as mais variadas empresas, dos mais variados segmentos, dos mais variados tamanhos. Qual a causa?

Para fazer essa análise temos que voltar em 2020, quando a pandemia da Covid-19 eclodiu. Com negócios parados de um dia para o outro, governos ao redor do mundo lançaram mão de incentivos fiscais e monetários para que a economia sobrevivesse. Ao mesmo tempo, empresas tiveram de fazer uma digitalização forçada para manter os negócios operando, o que gerou um aumento da demanda por soluções de tecnologia. Nada mais natural que o setor tech recebesse maior quantidade desse dinheiro inflado pela cessão de benesses, tanto na forma de aquisição quanto na forma de investimento em novos negócios. A demanda por tecnologia foi inflada, em um cenário no qual o mercado mundial estava mais aberto a investimentos de alto risco por causa da estabilidade econômica e da baixa taxa de juros nos Estados Unidos.

E aqui vale um adendo: quando um fundo de investimento escolhe as startups nas quais quer investir, ele considera a regra do 80/20, que seria 80% de acerto e 20% de perda potencial. As perdas não comprometem a boa rentabilidade geral de sua carteira. Os bons ventos foram aproveitados, mas os velejadores não sabiam exatamente para onde ir. 

“Quando se tem muito dinheiro na mesa, as pessoas trocam os pés pelas mãos. O investidor não está preocupado com as pequenas perdas, porque no geral, ele vai rentabilizar o dinheiro que investiu”, explica Geraldo Neto, fundador da Staged Ventures e GAA Investimentos. Ele continua: “Se eu, como gestor, capto US$ 10 milhões, eu tenho de seis meses a um ano para alocar. Se não alocar, tenho que devolver esse dinheiro. Como posso encontrar tanto empreendedor bom em pouco tempo? É bem difícil.” No afã pela alocação dos recursos, o nível de critério para os investimentos, portanto, teve de ser afrouxado. 

“Vi vários fundos alocando em empresas de serviços travestidas de empresas de tecnologia. Muitos milhões alocados em negócios que nunca serão escaláveis”

Geraldo Neto, fundador da Staged Ventures e GAA Investimentos. 

 

Qualquer semelhança com o caso do WeWork não é mera coincidência. A diferença é que a replicação do cenário ocorreu de forma pulverizada. Para Neto, estamos vivendo uma acomodação, um retorno à realidade. 

Brasil na mira

Como não poderia deixar de ser, essa acomodação é perceptível no Brasil. Dados recentes do relatório Inside Venture Capital, da Distrito, uma plataforma que incentiva a cultura empreendedora, comprovam o desaquecimento nacional: no primeiro trimestre de 2023, houve uma redução de 86% no capital investido em startups brasileiras em relação ao mesmo período de 2022, com apenas 91 acordos assinados nos primeiros três meses do ano. 

E amargaremos sequelas desse ajuste econômico por um tempo. Com taxas de juros elevadas no mundo todo para conter a crise – e no Brasil oscilando em torno de 13% -, o apetite ao risco, naturalmente, é reduzido. Para Rodrigo Guerra, especialista em finanças e inovação e fundador do Unbox Project, esses números mostram que estamos saindo da era dos unicórnios e iniciando outra era: a dos camelos. “Camelo, sabemos, é um animal que sobrevive com pouca água, em um ambiente hostil à vida e com restrições de toda sorte – algo bem diferente do animal mítico que representa o sonho de boa parte dos empreendedores que querem prosperar apenas munidos de uma ideia inovadora.”

Como os empreendedores e o mercado de inovação podem sobreviver nesse deserto? Isso é assunto para a próxima reportagem do Unbox Project. 

*O Unbox Project é um programa de desenvolvimento de carreira que conecta líderes de negócios, entidades auto-organizadas e empresas com metas de ESG para destravar a inovação e a economia sustentável. Como parte de sua missão de “desencaixotar o pensamento crítico que deve(ria) anteceder a inovação”, tem produção de conteúdo recorrente no site unbox.dev.br e na seção Homework, do portal Terra.

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