Carla Tieppo: “Para inovar é fundamental trabalhar as próprias emoções”

Publicado em: 29/04/2021

Carla Tieppo: “Para inovar é fundamental trabalhar as próprias emoções”

A partir de uma jornada emocional, a neurociência possibilita a percepção sobre o valor agregado ao comportamento. E só assim é possível pensar em mudanças estruturais

Por Rodrigo Guerra* 

A neurocientista Carla Tieppo começou a se interessar pelos problemas do ambiente organizacional à medida que ela mesma se tornou uma empresária e precisou compreender melhor – para seu próprio usufruto – como uma organização se formava e resolvia seus conflitos internos. Hoje ela lidera quatro diferentes iniciativas que giram em torno da neurociência: duas consultorias, uma organizacional e uma educacional, uma empresa de cursos e uma editora especializada no selo de neurociência. 

“Eu tenho os problemas que todo pequeno empresário tem, que são – quando multiplicados por algumas potências – os mesmos que os grandes executivos enfrentam”, resume Carla, lembrando que o maior desafio é cuidar para que as pessoas executem tarefas complexas de forma estratégica e deixem de fazer tarefas automáticas: “Isso será serviço para as máquinas e a inteligência artificial”, ela garante. 

Acompanhe agora os melhores momentos do nosso bate-papo em mais um conteúdo da série “Conversa de Inovação”:

Rodrigo Guerra: Carla, você criou um negócio cujo mote é a aplicação da neurociência para ajudar o desenvolvimento organizacional e humano. Me explica melhor como isso funciona.

Carla Tieppo: Em 2005/2006, quando eu comecei a atuar nessa área, já se falava na possibilidade de usar a neurociência nos negócios, assim como aconteceu com a psicologia  antes, mas eu confesso que fui intuitivamente seguindo por caminhos ainda inexplorados. A neurociência surgia como uma outra forma de entender o comportamento da mente humana, a partir de uma ciência de base que pudesse estruturar conhecimentos teóricos para implementar inovações, mudanças e visões nos negócios. Logo no começo, quem me procurou foi o pessoal da psicologia e da fonoaudiologia, pois já atuavam com o desenvolvimento humano. Depois vieram os professores e, por fim, os gestores de RH. Em 2009, eu montei uma empresa para dar cursos, assim como eu fazia na universidade, mas com o tempo as pessoas começaram a ver que meus exemplos faziam sentido também no ambiente organizacional. A partir disso, comecei a palestrar e me envolver em desenvolvimento de cultura dentro das empresas e nos processos de transição e de mudanças, tudo isso levando em conta meu conhecimento em sistema nervoso na neurociência, que é muito focado em comportamento humano e patologias da psique. 

Rodrigo Guerra: Qual tem sido o maior desafio para a cultura das empresas hoje, nesse período que estamos vivendo de pandemia, em que a vida ficou mais digital?

Carla Tieppo: Estamos em um período de transição. Precisamos apoiar a transformação de tudo o que antes era operacional para que atinja pelo menos um nível tático, e desejavelmente um nível estratégico. A ideia é que as pessoas estejam focadas na resolução de grandes problemas, e possamos deixar o desenvolvimento de padrões e rotinas nas mãos das máquinas e da inteligência artificial. E isso não é simples, pois requer que a sociedade se sensibilize até mesmo para o processo de transição, que vai gerar desemprego. Aliás, a pandemia está apenas adiantando esse fenômeno, mas ainda sem um plano estratégico. 

Rodrigo Guerra: Cabe então a nós, humanos, nos dedicarmos mais àquilo que somos melhores. Pensando nesse cenário, você acha que dá para treinar o cérebro para inovar? 

Carla Tieppo: Quando usamos a palavra “treino” estamos nos referindo a algo que se faz de forma repetida. Para o cérebro, isso não funciona. O que dá para fazer é automatizar os chamados mindsets, que nada mais são do que modelos de pensamentos prevalentes que se repetem toda vez que um problema é abordado. Assim, mindsets podem ser tanto otimistas quanto pessimistas ou realistas. O fato de alguém ter mais aderência ou mais resistência à inovação também tem a ver com seu próprio mindset. Dessa forma, eu diria que você não precisa treinar o seu cérebro, mas, sim, validar formas de pensar que podem mudar sua forma de encarar as coisas. E para isso é preciso ter uma dinâmica emocional favorável a partir de experiências executadas ou modelos percebidos, como acontece quando nos espelhamos em determinadas pessoas para modelar nossa própria forma de pensar. Assim, para que uma pessoa se torne inovadora e disruptiva de fato, muitas vezes ela precisa trabalhar seu próprio emocional. E, para isso, um treino não funciona. É preciso ter engajamento emocional com determinada forma de pensamento que mostre que um assunto me interessa. 

Rodrigo Guerra: Como é possível engajar emocionalmente as pessoas?

Carla Tieppo: Para isso importa muito mais que tipo de experiência podemos oferecer para as pessoas do que como elas pensam, porque a hora que elas tiverem experiências que validem emocionalmente aquilo que estão fazendo, vão aderir à mudança e à inovação. O trabalho da neurociência é produzir uma jornada emocional para que a pessoa perceba o valor que está agregado naquele comportamento. E essas experiências podem ser construídas usando realidade virtual, ou até mesmo fazendo uma imersão em um programa que já está funcionando. O importante é que a pessoa veja aquilo funcionando e perceba o valor agregado na prática. Isso é crucial para que o processo de mudança se concretize. 

Rodrigo Guerra: Isso também vale para os líderes e empreendedores?

Carla Tieppo: Sim, eles também precisam dessas experiências para perceber na prática o valor agregado e, em geral, precisam delas como usuários mais do que como executivos. Assim, cria-se empatia em relação a quem usa o serviço, o que facilita o desenvolvimento de estratégias para um novo modelo de pensar. Especialmente porque o mais comum no começo de um processo de inovação, ao adquirir uma tecnologia, é perder dinheiro e se decepcionar. Quem não estiver pronto para esse momento, terá uma experiência emocional pautada apenas nisso, e pode até abandonar o projeto. 

Rodrigo Guerra: Dá para dizer que existem pessoas mais ou menos dispostas a ter essas experiências emocionais?

Carla Tieppo: Existem algumas questões que estão no campo emocional, como, por exemplo, perfis que são pautados pelo medo e querem a segurança a qualquer custo. São perfis que têm uma tendência genética, mas também foram estabelecidos por experiências que aconteceram até mesmo na primeira infância. Os perfis psicológicos ou temperamentos são bem descritos na literatura e existem sim aqueles que têm uma visão mais focada na inovação e na capacidade de adesão a um pensamento inovativo. Também é preciso ter um pouco de resiliência para momentos em que as coisas não funcionam como a pessoa gostaria, além de coragem. Mas eu acho que mais importante do que isso é o perfil cultural da empresa.

Rodrigo Guerra: Explique um pouco mais, então, por que a cultura da empresa importa?

Carla Tieppo: Muitas empresas querem inovar e sair na frente, mas não têm uma cultura do erro adequada. Nesse espaço, uma pessoa era e automaticamente é trucidada por isso. Quem se arrisca onde o erro não é aceito? Quem inventa onde pode ser ridicularizado diante de uma tentativa? Claro, existem tentativas que são infantis e ingênuas, mas só percebemos isso depois que  nos arriscamos a fazê-las. Para tentar mudar isso, algumas empresas com estruturas mais complexas, até mais engessadas, criam células de inovação, ou seja, um espaço onde é permitido errar, aprender e expandir a zona de segurança. E, para ficar claro, a cultura do erro adequado não é liberar geral e sair à caça de erros, mas pensar no que é possível fazer a partir do erro cometido. Eu costumo ouvir que as empresas querem pessoas inovadoras, mas não criam um ambiente no qual a inovação possa acontecer. 

Rodrigo Guerra: A mudança cultural da empresa precede qualquer inovação…

Carla Tieppo: Sim, e isso não pode acontecer apenas no site da empresa. A verdade é que temos na alta gestão pessoas que se arriscam pouco porque têm muito a perder em termos de bônus e salários. Por isso, eu defendo que se não houver uma conversa forte entre os verdadeiros tomadores de decisão sobre os riscos que a empresa está disposta a correr colaborativamente, nada acontece e a empresa não inova. 

Rodrigo Guerra: Eu falo que é muito arriscado quando um conceito legal vira modismo, porque do dia para a noite todo mundo pendura isso na parede, como aconteceu com inovação, saúde mental, diversidade. Esse é o risco do modismo promovido pelo apelo midiático apenas. 

Carla Tieppo: Sem dúvida, e o conflito entre o que se prega e o que se faz vai gerar uma insatisfação interna nos funcionários que criam uma expectativa que não é válida, se sentem injustiçados e isso impacta o sentido de pertencimento. Aliás, o primeiro aspecto para eu me sentir pertencendo a algo é justamente o sentido de justiça. Perceba que toda vez que você se sente injustiçado você está fora, não dentro. Dissonâncias assim geram muitos conflitos. Por exemplo o garoto de TI que foi contratado para fazer projetos inovadores, mas que não consegue ter nenhuma ideia aprovada internamente. Esse funcionário vai se sentir enganado “Para que me contrataram, afinal?” Isso pode custar o futuro do negócio, temos visto empresas que da noite para o dia desapareceram. 

Rodrigo Guerra: E isso em um momento em que tivemos uma grande mudança na forma de trabalhar, ora digital ora presencial. Nossos cérebros são programados para se adaptar a essa nova realidade?

Carla Tieppo:  Esse é o maior desafio desse momento, porque nós já percebemos a estafa das pessoas em ficar tantas horas seguidas em tela, além da falta de construção de coletividade. Talvez uma saída para isso sejam os óculos imersivos para que cada pessoa possa estar virtualmente presente em uma reunião de equipe. Videochamadas feitas no Zoom, por exemplo, geram estafa mental porque são desenhadas de modo que nosso cérebro recebe inputs de mais de uma pessoa ao mesmo tempo, sobrecarregando nosso sistema sensorial. Na vida analógica isso não acontece, pois você escolhe olhar para uma ou outra pessoa de cada vez. Eu sou muito confiante de que as interações presenciais são mais ricas para a construção de vínculo. E o que vai acontecer daqui para frente nas organizações é muito mais construção de vínculo coletivo para uma produção coletiva e resolução de problemas complexos, gerando pensamentos sistêmicos, e menos sobre o trabalho e as entregas individuais. 90% do que for “o meu trabalho” e a “minha entrega” será substituído por inteligência artificial. 

*Rodrigo Guerra é especialista em finanças e inovação. Atualmente vivencia um profundo mergulho na jornada do autoconhecimento – que deve trazer novidades em breve

Leia também:

Marcela Rocha: “O investidor brasileiro precisa diversificar e arriscar mais”

Compartilhe

  • Facebook
  • Twitter
  • Linkedin

Assine a Unbox News